Ameaças à soberania da ciência e à competitividade da cafeicultura brasileira
Leia, na sequência, artigo de autoria de Silas Brasileiro, presidente do CNC (Conselho Nacional do Café).
O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo. Este protagonismo, conquistado com muito esforço e competência, não é fruto do acaso, mas sim da capacidade técnica, da resiliência dos nossos produtores e da articulação contínua entre os setores público e privado. Por isso, é com enorme preocupação que o Conselho Nacional do Café (CNC) acompanha as tentativas de inclusão da cafeicultura brasileira no Protocolo de Nagoya, o que pode abrir portas à transferência irrestrita de nosso banco de germoplasma, estudos, pesquisas e tecnologias estratégicas para países concorrentes que não enfrentam os mesmos desafios regulatórios e socioambientais do Brasil.
É preciso compreender a gravidade desse cenário. A inclusão do café neste protocolo representa não apenas o risco de se perder a soberania sobre o nosso conhecimento científico acumulado ao longo de décadas, mas também a possibilidade de comprometer toda a cadeia produtiva nacional. Estamos falando de um setor que gera cerca de 8,4 milhões de empregos, está presente em 17 estados, 1.983 municípios, 6 biomas diferentes e é um dos grandes pilares sociais e econômicos do país.
Enquanto o produtor brasileiro precisa cumprir normas rigorosas, com uma das legislações ambientais mais avançadas do mundo, outros países produtores operam à margem de qualquer regulação. Isso gera um desequilíbrio injustificável de competitividade. O que se observa é que, ao invés de valorizar o modelo produtivo responsável e sustentável do Brasil, forças externas — muitas vezes impulsionadas por organizações com interesses comerciais — buscam impor padrões que fragilizam nosso setor, tentando ainda ditar o futuro da cafeicultura através de relatórios enviesados sobre mudanças climáticas ou perda de produtividade.
A verdade é que o Brasil possui uma cafeicultura resiliente e adaptável. Já demonstramos isso com a migração produtiva de estados como Paraná e São Paulo para regiões do Cerrado Mineiro, do Sul da Bahia, de Rondônia, do Espírito Santo e até do Nordeste brasileiro. Se há impacto climático em uma região, temos estrutura e diversidade de biomas para reorganizar a produção sem comprometer o abastecimento global.
A tentativa de submeter o setor cafeeiro brasileiro aos moldes do Protocolo de Nagoya levanta uma questão fundamental: vamos defender os interesses de nossos produtores ou permaneceremos inertes diante de um movimento que ameaça nossa soberania e o futuro da nossa produção?
O CNC tem se posicionado de forma firme e incansável em todas as instâncias, nacionais e internacionais, buscando esclarecer e denunciar essas movimentações silenciosas, porém perigosas, que se travestem de iniciativas de cooperação, mas que escondem interesses econômicos profundos. A transferência de material genético e conhecimento técnico construído com recursos públicos, com o apoio da Embrapa, do Consórcio Embrapa Café, de universidades, institutos – com investimento vultuoso nos últimos anos — não pode ser feita de forma impensada ou subserviente.
Não é por demais lembrar que além do aspecto ambiental, a produção de café no Brasil também tem um forte compromisso com a sustentabilidade social, já que os direitos trabalhistas no país garantem proteção e segurança aos trabalhadores e trabalhadoras. Eles abrangem questões como salário mínimo, jornada de trabalho, férias remuneradas, décimo terceiro salário, descanso semanal, licenças maternidade e paternidade, seguro-desemprego, entre outros. Cabe ressaltar que a proteção à saúde do trabalhador também é promovida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sendo o país um dos únicos no mundo a disponibilizar esse serviço de forma pública e gratuita.
Portanto, além do produtor, toda uma cadeia seria afetada com essa proposta: as cooperativas, as indústrias, os fornecedores de insumos, os prestadores de serviço, os exportadores. Estamos falando de um setor que movimenta bilhões e que é responsável por parcela significativa da balança comercial do país.
O momento exige clareza, responsabilidade e posicionamento. O CNC reitera seu compromisso com a defesa do produtor e da produção nacional, e continuará atento e atuante para garantir que o Brasil siga como referência mundial em produtividade, sustentabilidade, tecnologia e — acima de tudo — soberania.