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Símbolo do Brasil há 200 anos, café busca superar danos ambientais


Em 1877, um jornal carioca publicou um breve manual de cultivo de café escrito por Luís Correia de Azevedo, latifundiário da cidade cafeeira de Cantagalo, na província do Rio de Janeiro. No texto, ele criticou duramente os colegas cafeicultores pela forma como abriam novas plantações:

“À proporção que terrenos plantados se iam esgotando, administradores e fazendeiros, que só miravam o materialismo do lucro do momento, iam sem dó nem consciência derrubando novas matas em demanda de terras novas. A única razão que davam era que as terras eram de sua propriedade e que podiam delas dispor a seu prazer”.

O fazendeiro não exagerou. Foi mesmo à custa da devastação ambiental que em 1828, de acordo com historiadores, o Império do Brasil alcançou o posto de maior fornecedor mundial de café e a partir de então, ano após ano, só aumentou a produção.

Quando se tornou a principal fonte de riqueza do Brasil, o café passou a ser chamado de "ouro verde" — em referência à cor dos grãos antes da torra.

Nestes quase 200 anos de história, a primeira região cultivada em larga escala foi o Vale do Paraíba, que engloba o sul do Rio de Janeiro e o leste de São Paulo. A Mata Atlântica, por essa razão, tornou-se a principal vítima da expansão cafeeira. De sua vegetação original, hoje restam apenas 30%.

Mas o Brasil está virando a página. Nos últimos anos, de acordo com especialistas ouvidos pela Agência Senado, a cafeicultura nacional tem adotado uma série de medidas de proteção e até de restauração do meio ambiente, procurando deixar o avanço predatório sobre a mata virgem apenas como um vergonhoso registro nos livros de história.

O agrônomo Paulo Henrique Leme, diretor de inovação e tecnologia da Universidade Federal de Lavras, avalia:

— É claro que existem pessoas que ainda adotam práticas nocivas ao meio ambiente, mas elas, felizmente, são a exceção. A cafeicultura é hoje uma das culturas mais sustentáveis do Brasil, se não for a mais sustentável de todas.

Os números comprovam a virada em direção à sustentabilidade. Nas quase três décadas entre 1997 e 2024, a área total com pés de café no país caiu de 2,4 milhões de hectares para 1,9 milhão (queda de 22%). Mesmo plantando menos, o Brasil passou a produzir mais. Cada hectare, que dava 8 sacas de café, passou a gerar 29 sacas (crescimento de 260%).

Portinari – LAVRADOR DE CAFÉ - VÍRUS DA ARTE & CIA - Lu Dias Carvalho

Segundo a agrônoma e cafeicultora Raquel Miranda, assessora técnica da Confederação Nacional da Indústria e Pecuária do Brasil (CNA), os dados mostram que não houve avanço da cafeicultura sobre regiões de fronteira florestal. Ela continua:

— Ao mesmo tempo, trata-se de um indicador eloquente de sustentabilidade. Não são sustentáveis as grandes extensões de terra que produzem pouco quando têm potencial para produzir muito, já que consomem mais recursos naturais do que o necessário. Nesse quesito, somos diferentes da maioria dos países produtores de café.

Principais competidores do Brasil, o Vietnã e a Colômbia também aumentaram a produção ao longo dos últimos anos. No entanto, os vietnamitas só conseguiram fazer isso avançando sobre novas terras, e os colombianos, mantendo praticamente a mesma área já cultivada.

Entre as medidas sustentáveis que vêm sendo adotadas no Brasil, estão as seguintes:

sistemas agroflorestais: integração de culturas agrícolas com árvores;

bioinsumos: alternativas biológicas, como microorganismos e extratos naturais, que reduzem o uso de produtos químicos;

plantio direto: técnica que evita o revolvimento do solo, preservando sua estrutura e reduzindo a erosão;

manejo de resíduos: reaproveitamento de restos de colheita e subprodutos, diminuindo o desperdício;

fixação biológica de nitrogênio: uso de bactérias para suprir esse nutriente às plantas, reduzindo a adoção de fertilizantes industriais.

Um estudo recente mostrou que o café brasileiro é “carbono negativo”, isto é, remove mais dióxido de carbono da atmosfera do que o emite em sua produção — incluindo aquele originado no maquinário agrícola, no transporte e no uso de fertilizantes. Isso significa que a atividade ajuda a reduzir a emissão de gases do efeito estufa, responsáveis pelas mudanças climáticas.

A pesquisa envolveu 40 fazendas de diferentes regiões de Minas Gerais, o principal estado produtor, e foi conduzido pela Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) por encomenda do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil.

A preservação ambiental, portanto, é perfeitamente compatível com a produtividade e o lucro, de acordo com os especialistas. Por essa razão, mesmo fazendo essa recente virada verde, o Brasil jamais perdeu a liderança. O país responde hoje por 37% da produção mundial — seguido de longe por Vietnã, Colômbia, Indonésia e Etiópia, que, juntos, respondem por outros 37%.

Quatro fatores principais explicam a ruptura com o histórico de devastação do café brasileiro: pressão internacional, progresso científico e tecnológico, iniciativa dos próprios agricultores e ação governamental.

História do Café

A pressão internacional decorre do avanço das mudanças climáticas globais, uma vez que os países importadores, majoritariamente no hemisfério norte, passaram a exigir que o grão fosse cultivado de forma ambientalmente responsável. A exigência partiu tanto dos governos quanto dos próprios consumidores.

Uma das medidas mais rumorosas é o regulamento da União Europeia que proíbe os países do bloco de importar produtos agrícolas que contribuam com o desmatamento. A previsão é que a norma entre em vigor no primeiro dia de 2026.

Entre as medidas que os agricultores estrangeiros, incluindo os brasileiros, precisarão adotar se quiserem continuar exportando para o mercado europeu, estão provar que não plantaram em área que foi desmatada a partir de 2021 (mesmo que esse desmatamento tenha sido legal no país de origem), garantir a rastreabilidade do produto (de modo a que se saiba exatamente onde e como ele foi cultivado) e cumprir integralmente as leis ambientais e trabalhistas locais.

De acordo com a agrônoma Silvia Pizzol, diretora de sustentabilidade do Conselho dos Exportadores de Café, o Brasil é hoje o país mais preparado para atender ao regulamento europeu:

— Temos o Cadastro Ambiental Rural [previsto no Código Florestal], com milhões de propriedades georreferenciadas, e outras bases públicas ambientais, como as do Ibama e do ICMBio. Temos ainda as bases do Ministério do Trabalho, que contêm a lista suja dos empregadores que se utilizam de trabalho análogo à escravidão. Todas elas, somadas a iniciativas privadas, permitem rastrear as fazendas, averiguar a conformidade socioambiental e garantir que o café brasileiro é livre de desmatamento e produzido dentro da lei.

Outro fator decisivo na correção de rumo da cafeicultura brasileira, o avanço do conhecimento científico e da tecnologia ocorreu principalmente graças à atuação de diversas instituições de pesquisa de ponta.

Entre os centros federais, destacam-se as universidades de Lavras (Ufla) e Viçosa (UFV) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que tem uma unidade dedicada exclusivamente ao café. Entre os estaduais, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), o Instituto Agronômico de Campinas e a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

Nos últimos anos, os pesquisadores criaram novas cepas de fungos e leveduras que controlam pragas dos cafezais. Esse controle biológico é importante não só para a produtividade, mas também para o meio ambiente, já que reduz ou até elimina o uso de agrotóxicos, que podem contaminar o solo e a água e eliminar outros organismos que não as pragas, comprometendo a biodiversidade.

Café de Araponga em Destaque no mundo Minas Gerais reafirma seu  protagonismo global no mercado de cafés especiais. A Fazenda Serra do Boné,  em Araponga, conquistou o prêmio Best of the Best no

As instituições agronômicas não se dedicam apenas a desenvolver novas tecnologias, mas também a levá-las aos produtores rurais, por meio da chamada assistência técnica e extensão rural.

A Embrapa Café, em parceria com o Consórcio Pesquisa Café, por exemplo, desenvolveu uma técnica, logo adotada com sucesso pelos fazendeiros, que utiliza a braquiária (tipo de capim) como cobertura do solo entre as fileiras de pés de café.

Os pesquisadores descobriram que, ao contrário do que se acreditava, a braquiária não compete com o café pelos nutrientes da terra. Em vez disso, favorece o cafezal aumentando a porosidade do solo e a absorção de água, reduzindo a temperatura e o ressecamento da terra, evitando a erosão, favorecendo a presença de inimigos naturais das pragas e induzindo a movimentação e a reciclagem dos nutrientes. Utilizando-se a braquiária como cobertura, os pés de café ganham raízes mais profundas, resistem melhor à estiagem, demandam menos herbicida e produzem mais.

Raquel Miranda, da CNA, entende que não se deve acusar a cafeicultura anteriormente praticada no Brasil de ser propositalmente devastadora do meio ambiente, já que era a mesma que se praticava em praticamente todo o mundo:

— O conhecimento técnico era, naturalmente, menor. A própria Europa tem hoje cerca de 5% do território coberto com vegetação nativa porque também abriu seus campos de cultivo de cereais derrubando mata virgem e ateando fogo. Aliás, muito do conhecimento agrícola que se tinha no Brasil vinha da Europa, que produz em condições, como clima e solo, muito diferentes da nossa realidade. A produtividade aumentou e a sustentabilidade surgiu depois que os nossos institutos de pesquisa passaram a desenvolver técnicas específicas para a agricultura tropical.

Ela acrescenta que o passado predatório não é exclusividade da agricultura:

— A indústria também produzia impactos negativos. No início do século passado, por exemplo, não existiam direitos trabalhistas, como descanso semanal, férias remuneradas, limite da jornada de trabalho, salário mínimo. A realidade agora é outra porque a indústria, da mesma forma que a agricultura, foi acompanhando a evolução da sociedade.

A iniciativa dos próprios cafeicultores também foi decisiva na forma como o café agora vem sendo plantado. Eles passaram a buscar medidas mais sustentáveis quando entenderam que a colheita e o lucro poderiam ser maiores se o meio ambiente ao redor da lavoura estivesse preservado.

Quando há mata nativa nas proximidades, o cafezal tende, por exemplo, a dispor de mais água, em razão das consequentes regularidade do regime de chuvas e conservação dos mananciais, e a utilizar menos agrotóxicos, por causa do ambiente mais propício à existência de inimigos naturais do café. Quando há topo de morro coberto com vegetação, por sua vez, o solo do cafezal tende a sofrer menos com a erosão, já que essa área natural intercepta a água da chuva e reduz a força erosiva da enxurrada.

Ao mesmo tempo, os produtores viram que a agricultura sustentável ajuda a abrir as portas do lucrativo mercado estrangeiro.

O agrônomo Paulo Henrique Leme, da Universidade Federal de Lavras, lembra que os cafeicultores começaram a agir no decorrer da década de 1990, logo depois que as cotas de exportação determinadas pelo Acordo Internacional do Café chegaram ao fim, em 1989, e o comércio foi liberado. Por causa disso, eles se viram obrigados a buscar novas estratégias para se manter competitivos no mercado internacional, como agregar valor por meio da qualidade.

— Esse movimento deu origem aos cafés especiais, aos selos de denominação de origem e indicação de procedência e às certificações sustentáveis, dando início a uma “revolução da qualidade”, que se consolidou na década de 2010. Como a qualidade exige dinheiro e o dinheiro precisa ser bem aplicado, esses cafeicultores passaram a implantar uma gestão profissional no seu negócio, o que naturalmente levou à adoção de práticas sustentáveis no cultivo — ele explica, acrescentando que essa “revolução” mirou no início o mercado internacional e recentemente passou a atender também ao mercado doméstico de café.

Na visão de Leme, as cooperativas foram determinantes na mudança de postura dos produtores em relação à sustentabilidade:

— Além de organizar a produção, reduzir custos e proteger os associados em momentos de especulação, as cooperativas de café difundem as técnicas mais modernas, oferecem insumos sustentáveis a preços mais acessíveis graças ao poder de negociação e ajudam na obtenção de certificações e no cumprimento das exigências do mercado internacional.

Selo Do Brasil N.21 - Bicentenário Do Plantio Do Café L.6185 | MercadoLivre

Dados do Conselho Nacional do Café (CNC) indicam a existência de quase uma centena de cooperativas atuando em 2 mil cidades, com 330 mil associados — dos quais perto de 80% são pequenos cafeicultores.

Por fim, o quarto fator deflagrador da virada verde da cafeicultura foi a ação direta do governo, seja por meio de leis e políticas públicas, seja por meio de incentivos financeiros ao setor.

Entre as leis, uma das mais destacadas é o Código Florestal, de 2012, que, entre outros pontos, obriga todas as propriedades rurais a separar uma fração da terra para a preservação da mata nativa e cria o Cadastro Ambiental Rural (CAR), um registro público eletrônico e obrigatório que mapeia e monitora todas as fazendas do Brasil e suas respectivas áreas de preservação com o objetivo de combater o desmatamento ilegal.

Entre as políticas federais, estão o Placo ABC+, que prevê ações e metas para adoção de práticas de baixa emissão de carbono até 2030, e a recente atualização das regras do Crédito Rural, que proíbem a concessão de recursos financeiros a propriedades que tenham embargo ambiental por desmatamento.

Na questão das leis, o governo e os produtores contam com o apoio decisivo do Parlamento. Nos últimos anos, a cafeicultura tem se beneficiado com a aprovação de leis necessárias ao progressivo abandono de práticas agrícolas nocivas às florestas, ao solo, à água, à biodiversidade e ao clima (veja no fim desta reportagem). O mais recente foi o que instituiu, no fim do ano passado, a Lei dos Bioinsumos (Lei 15.070).

Outras medidas de sustentabilidade estão na pauta do Congresso. Os senadores estudam, por exemplo, um projeto do senador Sérgio Petecão (PSD-AC) que cria o Selo Verde Café Amazônia (PL 3.761/2025). A certificação, válida por dois anos, seria concedida ao café da região produzido com cuidados ambientais e sociais. Em plena Amazônia, Rondônia é atualmente o quinto maior estado cafeicultor do Brasil.

Outro projeto em estudo no Senado é o do deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES) que institui o Selo Arte Café (PL 1.454/2023). Essa certificação ajudaria a agregar valor aos cafés cultivados e processados de forma artesanal e, portanto, de forma sustentável.

Florada do café: Doenças e cuidados. - Agromogiana

Ex-ministra da Agricultura, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) está entre os parlamentares que têm atuado a favor do café. Ela foi a relatora do projeto que deu origem à recente Lei da Reciprocidade Econômica (Lei 15.122), que permite ao Brasil retaliar países ou blocos econômicos que imponham barreiras comerciais injustas a produtos brasileiros. Ela argumentou na época:

— O problema é que, para a União Europeia, não importa se a supressão vegetal é legal, feita com autorização, ou ilegal. Eles ignoram ou desconhecem o exigente Código Florestal, que determina a proteção de 20% a 80% da vegetação nativa em uma área rural. Certas exigências ambientais europeias são totalmente descabidas e na verdade escondem barreiras comerciais contra nós.

O país está às vésperas não apenas do 200º aniversário como o maior produtor mundial de café, mas também do 300º aniversário da chegada da planta ao território brasileiro. Isso ocorreu em 1727, na época da Colônia, quando, por decisão do governo português, as primeiras mudas foram contrabandeadas da Guiana Francesa para Belém do Pará.

No início, o café não recebeu grande atenção. Além de o solo e o clima do Pará não serem propícios ao pleno desenvolvimento dos cafezais, a bebida era considerada exótica e não tinha grande apelo comercial.

A situação seria bem diferente um século mais tarde. Em 1822, quando o Brasil se tornou uma nação independente, o café já não era uma bebida de luxo, restrita à nobreza europeia, e ganhava o gosto popular tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.

As duas regiões viviam um surto de industrialização e urbanização — requisito importante para o café despontar como produto de consumo de massa. A cafeína servia de estimulante para que os operários se mantivessem despertos e atentos nas longas jornadas de trabalho nas primeiras fábricas. Além disso, as cafeterias europeias e americanas emergiam como lugares de lazer, socialização e até conspiração política.

Ao mesmo tempo, os pés de café finalmente vingaram nas chácaras e quintais da cidade do Rio de Janeiro. Da capital do Império, as plantações se espraiaram até a província de São Paulo.

O Vale do Paraíba era ideal por causa do clima, da altitude, da fertilidade do solo, da vastidão de terras virgens e da proximidade dos portos do Rio e de Santos — para não mencionar a ampla disponibilidade de mão de obra escravizada.

Ciente do potencial econômico do grão, D. Pedro I incluiu o desenho de um ramo de café no brasão e na bandeira do Império recém-fundado. Os impostos recolhidos na exportação tornaram-se a maior fonte de renda dos cofres públicos, chegando a responder por 50% da arrecadação tributária do governo brasileiro.

O cultivo no Vale do Paraíba, tanto na porção fluminense quanto na paulista, foi tão predatório, que, em questão de poucas décadas, a região simplesmente perdeu a capacidade de produzir café, seja por causa do esgotamento do solo, da erosão ou do envelhecimento precoce das plantas. Na década de 1860, D. Pedro II mandou encher de árvores a região da atual Floresta da Tijuca, na capital do Império, para regenerar o solo e a paisagem, degradados pelas antigas plantações de café.

Como o Império não podia abrir mão da receita do café, as plantações não desapareceram, mas buscaram novos lugares. Numa frente, os cafezais avançaram pelo interior de São Paulo, passando por Campinas e Ribeirão Preto, e alcançaram o sul de Minas Gerais. Em outra frente, chegaram à Zona da Mata mineira. A grande distância dos portos, antes um problema, foi superada pela construção de ferrovias. Essas novas fronteiras agrícolas, claro, também foram conquistadas à custa da derrubada de matas nativas e do fogo.

Um sinal do prestígio político da nova zona cafeeira do oeste paulista foi a inauguração da Imperial Estação Agronômica de Campinas, em 1887, pelo próprio D. Pedro II. A missão inicial foi desenvolver pesquisas agrícolas que aumentassem a produtividade do café. Prestes a completar 140 anos,hoje se chama Instituto Agronômico de Campinas e é uma das instituições científicas mais antigas do Brasil.

Antes da Independência, a prosperidade do território brasileiro se baseou em produtos como a cana-de-açúcar e o ouro. De acordo com o historiador Rafael Marquese, professor da Universidade de São Paulo (USP) e coautor do livro Escravidão e Capitalismo Histórico no Século 19: Cuba, Brasil, Estados Unidos, nenhum desses ciclos produtivos provocou tanto impacto estrutural no Brasil quanto o ciclo do café.

— O café moldou não apenas a paisagem natural de uma parte considerável do Brasil, por causa da devastação ambiental — diz ele. — Também modificou de forma decisiva a própria estrutura do país, moldando a política, a economia e até a sociedade. E isso é sentido até os dias hoje.

5 dicas essenciais para otimizar a colheita de café

O produto foi decisivo na consolidação do nascente Estado brasileiro. Quando o governo passou a conceder privilégios e incentivos à cafeicultura, os latifundiários do Vale do Paraíba retribuíram apoiando o imperador, o que foi essencial para que o Brasil não se fragmentasse em pequenos países, como ocorreu na América Espanhola. Ao mesmo tempo, foram esses cafeicultores que se tornaram a elite política e passaram a ditar os rumos do país.

— Se hoje existe tanta disparidade econômica entre as regiões país, com o desenvolvimento concentrado nas áreas ao redor do Rio, de Minas Gerais e de São Paulo, isso se deve ao café — prossegue Marquese.

Estrategicamente localizada na rota das ferrovias entre os cafezais do interior e o porto de Santos, a cidade de São Paulo, até então irrelevante, superou o Rio de Janeiro como a cidade mais dinâmica do Brasil nas primeiras décadas da República.

— Mais tarde, após a Segunda Guerra Mundial, o Estado adotou a política nacional-desenvolvimentista e recorreu aos recursos cambiais obtidos com a exportação do café para promover a substituição de importações, com a criação de uma base industrial encarregada de produzir internamente o que antes era importado — acrescenta o historiador.

A cafeicultura também teve papel importante na manutenção da escravidão africana. O trabalho escravo existia desde a Colônia, mas no Império, para atender à demanda americana e europeia por café, renovou-se e ganhou dimensões jamais vistas, com recordes de africanos introduzidos no país. Foi dessa forma periférica, como fornecedor de um produto agrário, que o Brasil ingressou no sistema capitalista mundial.

Quando a escravidão foi abolida, os barões do café retiraram o apoio que davam ao Império e, na esperança de que o regime republicano os indenizasse pela perda da mão de obra escravizada, apoiaram os militares que derrubaram D. Pedro II. Ao mesmo tempo, sem o trabalho escravo, recorreram à mão de obra livre vinda do exterior. Em outras palavras, o café teve peso na implantação da República e na imigração em massa de italianos, espanhóis e japoneses para o Brasil.

No novo regime, os cafeicultores ganharam ainda mais força. Não à toa, os livros didáticos se referem ao arranjo de poder montado nos primeiros anos da República como Política do Café com Leite.

Em todos estes 200 anos, o Estado brasileiro sempre deu proteção ao café, fosse pensando na arrecadação tributária, fosse pensando em favorecer a poderosa classe dos cafeicultores.

No Império, acobertou o tráfico ilegal de africanos escravizados e retardou a abolição da escravidão o máximo que pôde. No início da República, passou a comprar e estocar o café, para forçar a valorização no mercado internacional. Na Era Vargas, queimou toneladas do grão estocado com o mesmo objetivo.

A inflexão, com o fim do ciclo do café, ocorreu nas décadas de 1960 e 1970. Percebendo que era arriscado manter a economia brasileira dependente de um único produto cujos preços variam conforme o instável humor do mercado internacional, a ditadura militar resolveu induzir a diversificação da economia brasileira, apoiando diferentes produtos agrícolas e industriais, e apoiar a erradicação dos cafezais pouco produtivos. O café, então, perdeu o peso relativo na economia e deixou de ser o carro-chefe das exportações e da arrecadação tributária.

O historiador Rafael Marquese explica que uma das medidas da ditadura foi incentivar, com financiamento, a transformação dos cafezais do Paraná, destruídos pela “geada negra” de 1975, em plantações de soja. Isso marcou a modernização e a expansão desta última cultura, hoje a mais importante do Brasil. Ele diz:

— Do Primeiro Reinado à ditadura, houve claras linhas de continuidade no café, como o cultivo em grandes propriedades, o avanço constante em direção a novas fronteiras produtivas, a devastação ambiental e a intensa exploração do trabalho, primeiro por meio da escravidão e depois por meio do colonato. O que mudou esse cenário nas décadas de 1960 e 1970, além da diversificação da economia brasileira e da modernização da legislação trabalhista, foram as pesquisas agrícolas, que passaram a ser apoiadas pesadamente pelo governo e trouxeram novas tecnologias, como a adubação química. O cultivo deixou de ser extensivo para ser intensivo, aumentando a produtividade. A cafeicultura que temos hoje é, em grande parte, resultado da iniciada naquele momento.

Algumas das principais instituições agronômicas do país datam justamente dessa época, como a Embrapa, fundada em 1973, e a Epamig, em 1974.

Mesmo não sendo mais o maior motor econômico do país, a cafeicultura nunca deixou de receber atenção especial do governo. É a única cultura que conta com um departamento específico dentro do Ministério da Agricultura, o Conselho Deliberativo da Política do Café, e um fundo financeiro exclusivo e específico para financiar a produção, a estocagem, a comercialização, a pesquisa e a inovação, o Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé), que neste ano recebeu do Orçamento federal quase R$ 7,2 bilhões, dinheiro que os atores da cadeia produtiva acessam através de bancos públicos e cooperativas de crédito. Tanto o conselho quanto o fundo têm ações voltadas especificamente para a sustentabilidade.

— A cafeicultura recebe tanta atenção do Estado não só porque o Brasil é o maior exportador e o segundo principal consumidor de café, mas também porque, das grandes culturas do país, é única composta predominantemente de pequenas e médias propriedades, o que significa que ela tem um caráter familiar. Das terras cafeeiras, 86% têm menos de 50 hectares de área total — explica Raquel Miranda, da CNA.

Segundo os especialistas, um dos grandes desafios da cafeicultura brasileira nos próximos anos, para que continue no caminho da sustentabilidade, são as mudanças globais do clima, que exigirão a adaptação dos sistemas de produção e a criação de variedades vegetais mais adequadas à nova realidade de temperaturas, regimes de chuva e até catástrofes climáticas.


Fonte: Agência Senado

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